terça-feira, 13 de setembro de 2011

A ilusão do migrante

A ilusão do migrante

Quando vim da minha terra,
Se é que vim da minha terra
(não estou morto por lá?),
a correnteza do rio
me sussurrou vagamente
que eu havia de quedar
lá donde me despedia.

Os morros, empalidecidos
No entrecerrar-se da tarde,
pareciam me dizer
que não se sabe voltar,
porque tudo é conseqüência
de um erro nascer ali.

Quando vim, se é que vim
De algum lugar para outro lugar,
o mundo girava, alheio
à minha baça pessoa,
e no seu giro entrevi
que não se vai nem se volta
de sítio algum a nenhum.

Que carregamos as coisas,
moldura da nossa vida,
rígida cerca de arame,
na mais anônima célula,
e um chão, um  riso, uma voz
ressoam incessantemente
em nossas fundas paredes.

Novas coisas, sucedendo-se,
iludem a nossa fome
de primitivo alimento.
As descobertas são máscaras
do mais obscuro real,
essa ferida alastrada
na pele de nossas almas.

Quando vim da minha terra,
não vim, perdi-me no espaço,
na ilusão de ter saído.
Aí de mim, nuca saí.

Lá estou eu, enterrado
por baixo de falas mansas,
por baixo de negras sombras,
por  baixo de lavras de ouro,
por baixo de gerações
por baixo, eu sei, de mim mesmo,
este vivente enganado,
enganoso.


Carlos Drummond de Andrade